Desilusão
Francisca não
sabia bem a razão, mas a verdade era que, desde a infância, tivera pouquíssimos
relacionamentos com os homens. O pai fora uma ausência constante, uma ficção
incompreendida que a mãe insistia em manter no anonimato. A criadagem era
composta somente por mulheres, de forma que ela cresceu praticamente sem
conhecer homem algum.
A percepção de
tal fato só veio a ocorrer na mocidade. Francisca começou a se dar conta da
ausência de companhia masculina em sua vida, quando, por força do destino,
conheceu Ramiro: um jovem mascate de olhos vivos e cabeleira ruiva, que ousou
arrastar-se pelas paragens do fim de mundo desértico, onde ela vivia.
Estava em
andanças mal-sucedidas, levando enorme mala no lombo de uma mula trôpega,
tentando comercializar produtos de higiene pessoal e quinquilharias de uso
doméstico.
Como houvesse
chegado quase ao anoitecer de um dia extremamente chuvoso e ardesse em febre,
as mulheres da casa o acolheram para pouso e repouso, do contrário morreria ao
relento. Hospedagem perto não havia.
Após o jantar,
Ramiro e Francisca conversaram timidamente, sob o luzeiro frouxo de um velho
lampião. A moça,
curiosa, bombardeou o mascate com todas as perguntas que inquietavam sua mente.
Ouviu e analisou, com grande interesse, todas as respostas. Achou graça da
natureza vaga dos homens. Da fraqueza de seus atos, da dubiedade de seu
raciocínio e da incapacidade instintiva; coisa tão presente nelas, as mulheres.
Francisca
condoeu-se sinceramente de Ramiro e de todos os homens do mundo. Por pura
piedade, apaixonou-se pelo rapaz. Sentiu uma grande necessidade de protegê-lo,
não somente do resfriado, mas de todas as mazelas que a vida impõe aos seres de
natureza fraca.
Dias depois,
sentindo-se enamorados, despediram-se calorosamente, com Ramiro prometendo
voltar em breve para pedi-la em casamento.
Durante muito
tempo, Francisca aguardou ansiosa pelo retorno do suposto noivo, mas o que
vinham eram cartas e mais cartas justificando a ausência. No entanto, também
elas foram se escasseando, até que deixaram, definitivamente, de chegar.
Francisca
inquietou-se no início. Depois se conformou resignada: aprendeu que os homens eram, também,
mentirosos.
Muitos anos já
se passaram e Francisca vive ainda naquela casa antiga, distante de tudo e de
todos, abandonada à solidão do lugar. Tem ela hoje muitas rugas no rosto, a
cabeleira branca e o turvo olhar de quem já não vislumbra projeções futuras.
Às vezes, para
matar o tempo e lembrar-se de como são os homens, reabre um velho baú de
guardados e relê as cartas amarelecidas e frias que ali estão para provar o
quanto eles são volúveis.
Quando
acontece, de raro em raro, passar por lá um andarilho, Francisca sempre
pergunta se por acaso ele não conhece um tal Ramiro, de olhos vivos, cabeleira
ruiva, natureza dissimulada...
Mas, não.
Ninguém o conhece!
Legal! ;)
ResponderExcluirA desilusão também faz parte do aprendizado da vida! Muito bom!
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