terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Desilusão




Francisca não sabia bem a razão, mas a verdade era que, desde a infância, tivera pouquíssimos relacionamentos com os homens. O pai fora uma ausência constante, uma ficção incompreendida que a mãe insistia em manter no anonimato. A criadagem era composta somente por mulheres, de forma que ela cresceu praticamente sem conhecer homem algum.
A percepção de tal fato só veio a ocorrer na mocidade. Francisca começou a se dar conta da ausência de companhia masculina em sua vida, quando, por força do destino, conheceu Ramiro: um jovem mascate de olhos vivos e cabeleira ruiva, que ousou arrastar-se pelas paragens do fim de mundo desértico, onde ela vivia.
Estava em andanças mal-sucedidas, levando enorme mala no lombo de uma mula trôpega, tentando comercializar produtos de higiene pessoal e quinquilharias de uso doméstico.
Como houvesse chegado quase ao anoitecer de um dia extremamente chuvoso e ardesse em febre, as mulheres da casa o acolheram para pouso e repouso, do contrário morreria ao relento. Hospedagem perto não havia.
Após o jantar, Ramiro e Francisca conversaram timidamente, sob o luzeiro frouxo de um velho lampião. A moça, curiosa, bombardeou o mascate com todas as perguntas que inquietavam sua mente. Ouviu e analisou, com grande interesse, todas as respostas. Achou graça da natureza vaga dos homens. Da fraqueza de seus atos, da dubiedade de seu raciocínio e da incapacidade instintiva; coisa tão presente nelas, as mulheres.
Francisca condoeu-se sinceramente de Ramiro e de todos os homens do mundo. Por pura piedade, apaixonou-se pelo rapaz. Sentiu uma grande necessidade de protegê-lo, não somente do resfriado, mas de todas as mazelas que a vida impõe aos seres de natureza fraca.
Dias depois, sentindo-se enamorados, despediram-se calorosamente, com Ramiro prometendo voltar em breve para pedi-la em casamento.
Durante muito tempo, Francisca aguardou ansiosa pelo retorno do suposto noivo, mas o que vinham eram cartas e mais cartas justificando a ausência. No entanto, também elas foram se escasseando, até que deixaram, definitivamente, de chegar.
Francisca inquietou-se no início. Depois se conformou resignada: aprendeu que os homens eram, também, mentirosos.
Muitos anos já se passaram e Francisca vive ainda naquela casa antiga, distante de tudo e de todos, abandonada à solidão do lugar. Tem ela hoje muitas rugas no rosto, a cabeleira branca e o turvo olhar de quem já não vislumbra projeções futuras.
Às vezes, para matar o tempo e lembrar-se de como são os homens, reabre um velho baú de guardados e relê as cartas amarelecidas e frias que ali estão para provar o quanto eles são volúveis.
Quando acontece, de raro em raro, passar por lá um andarilho, Francisca sempre pergunta se por acaso ele não conhece um tal Ramiro, de olhos vivos, cabeleira ruiva, natureza dissimulada...
Mas, não. Ninguém o conhece!

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